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                  O  MAR PELA PRIMEIRA VEZ 
                    
                  03 a  05 DE MARÇO DE 2003 
                    
                         As ruas centrais de São Paulo estavam  desertas, silenciosas e tristes na 2ª. feira de Carnaval. O Vale do Anhangabaú  parecia um cenário de ópera, monumental e vazio. 
                    Eu  tinha uma passagem aérea que vencia nestes dias. Aproveitei os dias livres e as  milhagens e fui com o Nildo dar uma volta pela capital paulista.  O principal motivo para mim, era a exposição  das peças de terracota chinesas milenárias, tesouros arqueológicos, expostos no  Pavilhão do Ibirapuera. O Nildo ainda não conhecia a cidade e é sempre um bom  companheiro.  
                         Ficamos no  Hotel San Raphael, no Largo do Arouche, que oferecia uma tarifa reduzida para o  Carnaval. Apesar de ficar bem no centro da cidade, o Arouche é seguro e limpo,  com bares e restaurantes  de boa  qualidade. Mas seguimos pela Avenida São João até a sede dos Correios, de lá  para o Teatro Municipal. Ficamos impressionados com a iluminação do jardim e do  teatro, com as fontes funcionando, tudo bem policiado, tudo muito limpo apesar  de uns canteiros de obra nas proximidades.  
                    
                         O Viaduto do  Chá era uma paisagem imóvel e deserta de uma beleza incerta, muito de  reminiscências de minhas primeiras viagens na adolescência. Vi-me muito  no olhar extasiado do Nildo observando as  estátuas de bronze da fonte luminosa e passando os dedos pelas pedras talhadas  dos muros do jardim pelas colunas do majestoso teatro. Ele, maravilhado e eu  encantado ou encarnado em seu olhar de descobertas e deslumbramentos. 
                    A  primeira vez que eu deambulei por tal cenário belle époque foi em 1954,  quando São Paulo completava 400 anos de fundação.  
                    O Parque do Ibirapuera estava  muito concorrido na manhã da terça-feira de Carnaval, com um verdadeiro  congestionamento de automóveis no portão principal de acesso à obra  paisagística do Burle Marx.  
                    Queríamos  ver a exposição das relíquias chinesas, mas as filas eram quilométricas, havia  gente por ali desde as primeiras horas da manhã. Famílias inteiras aproveitando  o ingresso simbólico de Cr$ 1 cruzeiro do feriado. Desistimos de nosso  propósito e decidimos dar uma volta pelo parque, mas logo lembrei-me de que o  Nildo, que nasceu numa cidade maranhense ribeirinha como eu nasci, não conhecia  o mar... Fomos para o Jabaquara, onde tomamos um ônibus na direção de São  Vicente.  
                    Escolhi  o trajeto mais lento que vai pela rodovia Anchieta para disfrutar da beleza da  paisagem da Mata Atlântica, na descida tortuosa de pontes e túneis na Serra do  Mar. Um espetáculo deslumbrante, milagrosamente preservado. 
   
                    Escolhemos  a praia do Itararé, que estava apinhada de barracas com os farofeiros de São  Paulo. Gente muito feia, mulheres gordas, garotos magros e excessivamente  alongados com as bermudas caindo por falta de nádegas... A terra da praia é  escura — coisa rara no Brasil — e um tanto de sujeira provocada pela promíscua  afluência de gente sem muita educação, quiosques vendendo comidas embora o  gentio trouxesse comida pronta de casa... 
                    Alugamos  uma daquelas sombrinhas com cadeiras de alumínio, para proteger-nos um pouco do  sol, mas o estreiante Nildo passou o seu bronzeador e disfrutou do mormaço  quente, com incursões solitárias. Eu ficava observando-o à distância, as fortes  ondas de verão. Ao fundo, a orla marítima cercada de edifícios e a grandiosa  beleza da Ilha Porchat, com a vista de Santos mais ao longe.  
                  
                    
                  https://www.google.com/search?q=ba%C3%ADa+de+s%C3%A3o+vicente 
                    
                   
                    Ficamos  mais três amenas horas de luz e depois fomos caminhar pelo calçadão até a  divisa, à entrada da “ilha” — na verdade um istmo — em que começa a baía de São  Vicente, a primeira cidade do Brasil, fundada em 1532. 
                   
                  Tenho  gratas recordações da cidade pois ia para lá, no início da década de 60, com  meu amigo Alcides, para a casa de praia dos pais dele. Ainda não havia tantas  construções, mas o perfil urbano era o mesmo, apesar de mais tranquilo e mais  aburguesado, talvez porque os pais de meu amigo vivessem em área melhor  habitada e frequentada naquela época.  
                    A volta para São Paulo, no início da noite, foi mais lenta porque começava o  congestionamento do regresso dos paulistanos que desejavam fugir dos atropelos  da Quarta-Feira de Cinzas.  
                    Dormimos até mais tarde na quarta-feira. Depois fomos almoçar num restaurante  de comidas orientais, no bairro da Liberdade. A cidade voltava timidamente à normalidade,  mas ainda um pouco vazia de automóveis e sem caminhões. O metrô com mais  público e algumas lojas abrindo as portas. A comida, como era de se esperar,  foi excelente. Disfrutamos até à última mastigada e sorvo de chá, com direito a  uma leve sopa japonesa. 
                    Regressamos à estação da Sé, onde a fabulosa igreja gótica, reinaugurada  recentemente, recebia os fiéis para a missa da Quaresma. Nildo, que é  religioso, quis ficar para as celebrações. Foi um belo espetáculo, com uma  procissão de bispos e diáconos, cantos e rezas coletivas, dedicados à Campanha  da Fraternidade — que este ano focaliza a questão dos idosos — com uma bela  preleção do Arcebispo pedindo orações pela Paz (em virtude da iminência de uma  guerra entre Estados Unidos da América e o Iraque de Saddam Houssen, conflito  iminente e provavelmente inevitável. 
   
                    Ainda restou um tempinho para visitar as barracas dos camelôs nas ruelas  próximas, onde o Nildo queria comprar uma boneca para a filhinha de 1 ano de  idade.  
                  Começou  uma chuva de vento e saímos correndo para a área do metrô e, de taxi, fomos  para o Aeroporto de Congonhas, antecipadamente, com medo de problemas com o  trânsito.  
                    O aeroporto estava com algum congestionamento, alguns voos atrasados por causa  das chuvas e o cansaço era tanto que até chegamos a cochilar durante a viagem  de volta para Brasília. 
                    Foi um passeio feliz, tranquilo, incomum. Ninguém vai passar o Carnaval em São  Paulo, justamente depois daqueles desfiles do início da semana. Mas valeu a  pena! 
                
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